terça-feira, 23 de outubro de 2007

"In Rainbows"


"15 Step" abre o álbum com batidas de bateria se misturando a scratchs. Até os 40 segundos é só batida e a voz de Thom Yorke criando o clima, convidando o ouvinte a penetrar no mundo esquisito do Radiohead. Convite aceito, e uma guitarrinha esperta marca o canal esquerdo enquanto batidas se atropelam, crianças berram, o baixo dá um oi e teclados gélidos fazem nevar sobre a melodia. Quando se percebe, era uma vez a canção. "Bodysnatchers" surge e é uma porrada sensacional. Guitarras sujas disputam espaço com a bateria – eletrônica e humana – afundando a voz de Thom Yorke no refrão, que diz: "Eu não tenho a mínima idéia sobre o que estou falando / Estou preso neste corpo e não posso sair". Os teclados gélidos voltam a surgir, e remetem a trilogia berlinense de David Bowie. No final, a canção parece um carro desgovernado. As guitarras aumentam, a batida da bateria acelera e tudo acaba abruptamente em microfonia. Candidata a clássico.
Depois da tempestade, a calmaria. "Nude" já era conhecida fazia tempo, e a versão final da canção (que pode ser encontrada em mais uns cinco arranjos diferentes por ai também com o nome de "Big Ideas") transformou a música em uma balada glacial com backings e teclados fazendo a cama em que os desejos sombrios se deitam, se enrolam e se enforcam: "Não tenha grandes idéias / Elas não vão acontecer / Você ira para o inferno / Para o que sua mente suja pensa", diz a letra, que ainda avisa, no refrão: "Ela te beija com a língua e te empurra para a cama: não vá, você vai querer voltar de novo". Thom Yorke canta magnificamente bem. "Weird Fishes/Arpeggi" é o que nome sugere: duas canções em uma. Na primeira parte a bateria é sincopada e repetitiva, com uma guitarra comandando, outra uma oitava abaixo no canal esquerdo, e uma terceira surgindo para engrossar a melodia alguns segundos depois. Após os quatro minutos (quando começa a segunda parte), a canção fica fantasmagórica.
Na belíssima "All I Need" quem toma as rédeas é o contrabaixo, desnudo e poderoso. Um pianinho surge mais a frente, mas a canção já está tão impregnada na pele que fica difícil retirar a linha de baixo da cabeça. É neste momento que o caos surge com Thom Yorke gritando: "Está tudo errado, está tudo certo, está toda errada". "Faust Arp" é acústica e traz viola e cordas. Soa estranha e bela após toda tempestade de baterias eletrônicas segundos atrás, como se fosse um momento de reflexão no meio do fim do mundo. As baterias retornam martelando de forma descompassada em "Reckoner", que lembra muito a safra "Kid A" e termina perguntando: "Eu atendo a todas as suas necessidades?" "House of Cards" é um dos pontos altos de "In Rainbows", um jazzinho eletrônico espacial de fazer robôs chorarem. Na letra, o personagem diz que não quer amizade, só sexo, aconselha a outra parte a esquecer de seu castelo de cartas, pois ele vai desabar, mas antes avisa: "Jogue as chaves na tigela e dê um beijo de boa noite em seu marido" (assista "Tempestade de Gelo", de Ang Lee, que a frase - e a letra - se explica).
O disco está chegando ao fim, mas antes uma surpresa: "Jigsaw Falling Into Place" – outra famosa nas edições bootleg, também conhecida como "Open Pick" – aparece com violões onde antes a guitarra comandava, e joga a versão final da canção para o grupo de músicas nota 10 de "In Rainbows" ao chocar violões com bateria eletrônica. As portas se fecham com baterias em eco e clima de despedida. É "Videotape", música em que Thom Yorke avisa: "Esta é minha maneira de dizer adeus / Porque eu não posso fazer isso cara-a-cara / Estou conversando com você / Antes que isso seja tarde demais / Através de meu videotape". O clima é de lirismo. Thom começa cantando sobre notas de piano. No refrão, a bateria surge com ecos acompanhando a repetição da palavra videotape, e fica quase até o final, quando a letra fecha a canção (e o álbum) de forma encantadora: "Não importa o que acontece agora / Eu não terei medo / Porque hoje eu sei que terei tido / O dia mais perfeito que eu já vi".

por Marcelo Costa
- Videotape, tão bonita que chega a machucar.

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