sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Brooks Was Here

É entre os livros que Andy se aproximará do personagem mais triste do filme: Brooks, um dos prisioneiros mais velhos, que consegue a condicional depois de décadas em Shawshank. Desesperado com a liberdade iminente, Brooks chega a pensar em matar um de seus amigos só para continuar preso.

Há duas considerações a respeito disso. Uma diz respeito à dinâmica institucional. Freud, analisando fenômenos grupais e de massas, escreveu em dado momento que a grupalidade esconde o indivíduo. O que ele sugere com isso parece ser o seguinte: há situações coletivas em que a identidade individual se enfraquece em nome da ligação do sujeito com sua identidade grupal. Quando o grupo é uma instituição total, tal qual uma prisão, esse encobrimento é mais drástico e agressivo. É Red quem dá o diagnóstico: Brooks foi “institucionalizado”, devorado pela prisão. Não há vida para ele lá fora. Ele bem que tenta, mas não consegue tocar a vida em liberdade. Quando Brooks decide se matar, ele talha seu nome na viga de madeira que lhe serviria de apoio para a corda de seu enforcamento. “Brooks was here” é o recado. Defrontar-se com o próprio nome, aqui, é tentar se haver com sua identidade, perdida depois de tanto tempo sem respirar o ar puro do mundo liberto.

O outro aparte toca à psicodinâmica individual. Vamos com Freud novamente. Em um de seus trabalhos mais famosos, “Luto e melancolia”, Freud teoriza sobre os processos mentais ligados a situações de perda de um objeto amado. Há, porém, uma ressalva discreta e importante do autor: o objeto amado perdido não precisa ser uma pessoa ou uma coisa; pode ser um ideal também, como a liberdade.

Um indivíduo condenado à prisão perpétua se vê forçado a operar dentro de si o trabalho de luto pela sua liberdade. O luto não é propriamente um desligamento dos laços de amor com o objeto perdido (não é um “des-gostar”), mas um processo de transformação, de elaboração da perda para torná-la suportável e apaziguada.

Brooks não consegue viver em liberdade. Em carta enviada aos amigos que ficaram em Shawshank, que serve como nota suicida, ele diz viver com medo de tudo. Não se trata de uma dasadaptação ao mundo de fora. Seu medo é mais uma expressão de um conflito interno com a liberdade que voltou como zumbi, posto que ele já a havia enterrado uma vez.

Pela despersonalização e pelo luto, Brooks, enfim, é um personagem cheio de morte em sua vida. Isso fica simbolizado pelo seu melhor amigo na prisão, o corvo Jake. O corvo é, em muitas culturas, o arauto da morte. Conhecemos Jake ainda filhote, no primeiro dia de Andy na prisão. Brooks explica que ele o está criando até que fique adulto, para que voe sozinho depois. Não é o que acontece. Jake só é libertado por Brooks quando este sai da prisão, o que nos mostra sua dificuldade em desapegar-se da repetição tanática que é a vida em Shawshank e abraçar a liberdade, que agora tem valor de aniquilamento.

Em geral, somos todos partidários da liberdade. Nós gostamos de fazer escolhas, de experimentar, de viver o novo. Ora, cuidado: assim como quase tudo na vida, a liberdade só é boa se se faz um bom uso dela. Liberdade demais, sem limites, é desastrosa. Liberdade sem propósito é inócua. A questão a ser feita é: ser livre para fazer o quê?

É por essa questão que Brooks se torna um personagem sobre o qual os demais prisioneiros – e, em especial, Andy e Red – projetam suas idéias e fantasias quanto ao futuro de suas vidas. Será que a liberdade trará a vida de volta? Ou são os muros da prisão dão sentido às suas vidas?